Warning: count(): Parameter must be an array or an object that implements Countable in /home/storage/f/ee/54/reinaldosantos/public_html/blog/wp-includes/post-template.php on line 284

Porque não entendemos a segunda chance?

Os bips dos aparelhos de monitoração e os gritos de agonia molhada ainda soam alto em meus sonhos

O bip dos aparelhos de monitoração, ainda que discretos e monótonos, assemelham-se de forma igualmente incomoda aos gritos, pedidos de ajuda e mãos a bater n’água.

O espaço de tempo entre o breve pausar da saliva engolida do médico antes da resposta a sua pergunta é tão agonizante quantos os micro-segundos que antecedem a decisão de cair em socorro na água gélida.

O lapso de memória, o delírio induzido e as palavras de olhar distante aterrorizam ao empate com cada descida ao fundo e subida para busca de ar.

E ao fim, o que resta é o começo.

Sim, ao fim dessas breves e duras torturas, o que resta é a chance de um re-começo!

pensativoDuas experiências de quase perda, duas vezes a luta pela vida passando diante dos meus olhos. Duas vezes assistindo de tão perto com pouco podendo fazer. Duas chances de entender a fragilidade da vida e a tênue linha que divide o viver por viver e a clareza diante da verdade da nossa missão.

E o que aprendemos com o telhado do vizinho que desaba? E o que compreendemos com as desgraças de países distantes?  E o que aprendemos com a morte ao lado. Tão difícil, tão longe de influenciar nossa rotina. Muitas vezes fatos até banalizados pela mídia ou por humor negro dos mesmos. E com nossas próprias quedas, aprendemos?

A pouco tempo vi pessoas queridas quase partindo. Acredito que a proximidade ou iminência da morte ainda seja a dor mais difícil de tolerarmos. E por isso mesmo, talvez seja também o maior motivo para ação de mudanças de comportamento e compreensão da vida. Quando sabemos de pessoas que decidiram mudar suas posturas, de forma extrema, quase sempre há uma relação com experiências ligadas a vida, ou perda dela.

Transformações repentinas, reparação de atritos pessoais, mudanças radicais de comportamento e humor, re-definição de metas e valores. Tudo é possível após um trágico acontecimento, seja pessoal ou de próximos.

Assim, já é questionamento comum perguntarmos por que algumas pessoas só motivam-se a mudar de vida, comportamento ou visão depois de sofrerem tais fatalidades. Porque a maioria das pessoas espera presenciarem o temeroso sentimento de perda para encarem a vida com outros olhos? Essa é uma pergunta comum.

Mas a reflexão que proponho é outra: Porque, após passar por tal proximidade da perda, algumas pessoas conseguem não se propor a mudança ou revisão de valor algum?

Até que algo maior me diga o contrário, tenho para mim que essas experiências têm sim a missão de encerrar o tempo de quem foi e ensinar algo a quem ficou. Ou, no caso da fatalidade maior não acontecer, a missão de ensinar a todos que ficam que algo deve ser repensado.

Aceito que a cada individuo cabe uma reação única e igualmente individual, reação essa desencadeada por suas cadências pessoais, personalidade, experiências ou fase da vida. Aceito. Mas não compreendo como podem recados tão visíveis serem ignorados tão facilmente por pessoas que tiveram dádivas tão valiosas em suas vidas.

Não é nada fácio, mas eu até tento viver cada dia como único, talvez não tão intensamente como eu gostaria que os fossem. Tento esquecer as tristezas momentâneas e levar a vida levemente. Tento ver o sol todos os dias como único ou último. Mas ainda assim, procuro ao máximo trazer comigo a doce lembrança de dias amargos.

pensativo2Tento não esquecer lições aprendidas com as perdas e trago guardado num canto do coração, a fácil alcance, o aperto dolorido de momentos difíceis regados a choros de saudade prévia. Esforço-me para não esquecer as pessoas que foram e até os episódios mais amenos de risco de perda.

Guardo esses sentimentos bem claros na memória e no coração, não por masoquismo nem por tortura pessoal, mas para não apagar nem distanciar as elucidações que essas experiências trazem. Assim, com lagrimas na memória pelos que se foram eu cultivo a alegria intensa pelos que ainda estão ao meu lado.

E o que importa entendermos tudo isso? O que importa de verdade?

A muito tempo entendi o que realmente importa. E ainda assim, dia após dia, preciso me regrar para não engavetar esses valores adquiridos. Penso, porque as pessoas precisam perder uma perna para darem valor a uma caminhada ao final da tarde? Porque as pessoas precisam perder a visão para louvarem a boa música? Porque as pessoas precisam perder seus amados para esquecerem o valor de suas calças, jóias e bugigangas?

O que é importante? O que é mais importante?

Em certo momento, o celular novo, câmera fotográfica integrada, o player do momento, o game sensação, ou qualquer outra bugiganga da vez é a vida de um adolescente.

Por esse super produto, última tendência, seu filho te xinga enquanto impõe que não o mexam mais nele. Um computador ligado a internet ou não pode gerar arranhões entre irmãos que disputam seu uso. A passagem bloqueada no transito por alguém com mais pressa que você pode render um xingamento, um dedo fora da janela ou não menos surreal até um tiro. Um arranhão da namorada na lataria do seu carro, recém lavado a jatos e cera do posto mais caro, pode gerar um dia inteiro de rompimento. Um carro, um celular, uma sandália, um computador… e no meio de tudo isso: pessoas.

 Pessoas se ofendendo, se maltratando, se distanciando, se apedrejando e até se matando pelo comprável.

Claro, é normal. O ser humano é assim. Quer o seu espaço, quer suas conquistas, quer seus bens, quer suas coisas, quer ter razão e estar certo quando assim for ou não. O “eu” fala mais alto.

Todo o tipo de mesquinharia, pobreza de espírito, pequenez de sentimentos afloram quando nenhuma experiência maior é recente em nossa memória.

Agora experimente estar vivo e a mercê de fatalidades. Experimente beber das lições mais duras de Deus.

Experimente imaginar, se puder.

Sua mãe a beira da morte, presa a uma cama fria de hospital, largando a vida envolta a fios e médicos. Seu pai com olhar fixo no nada, jogado ao chão após um acidente de carro. Seu irmão caído segundos depois de um enfarto. Seu melhor amigo cedendo aos seus olhos o último sopro de vida. O amor da sua vida definhando aos prantos diante de uma poça de sangue após um tiro perdido. Seu bebê, sem cor, sem vida após um espancamento de algum maníaco.

Pense. Imagine…

Teve coragem? Experimentou imaginar?

Duro não é. Duro até de pensar, imagine de viver. É até de mal gosto de escrever, eu concordo.

Mas e agora? Em momentos como esses, aos quais estamos todos sujeitos, onde está o celular de última geração? Onde está sua razão a respeito daquela discussão? Qual a importância do seu carro novo diante desse momento? De que vale o seu ego diante da vida de alguém querido que se seca suas últimas lágrimas?

O que mais algumas pessoas precisam para entender as prioridades de suas vidas?

Não sei o que mais algumas pessoas precisam para dar importância ao que realmente importa em nossa existência. Eu não sei o que mais alguns indivíduos querem para posicionar-se diferentemente diante de seus erros de conduta, caráter e sensibilidade com as pessoas ao seu redor. Eu não entendo o que algumas pessoas ainda precisam, depois de experiências como essas, para buscar uma transformação de seus valores.

Vejo algumas pessoas, como vi recentemente, tremerem diante da possibilidade da perda em um dia e após alguns dias esquecerem completamente a angustia que a pouco viveram. Em um momento choravam por quase deixar seus filhos e esses por quase perderem a mãe. Mas meses depois, tudo que era sagrado no mundo material voltou a ser mais importante que o amor de uma família.

Aprendi a muitos anos, tarde até, que as pessoas não são eternas. Aprendi que os momentos que vivemos com nossos amados são raros e valiosos. Aprendi que para tudo há sim uma medida a ser aplicada e as pessoas deveriam ser sempre o maior valor em nossas decisões. Eu aprendi a muito tempo, sim a base de experiências de perda, que sempre influenciamos a vida das pessoas ao nosso redor. E se pudermos escolher entre uma influência positiva ou negativa, ainda que em pequenos momentos, devemos escolher pela positiva.

Eu não aceito o ranço, os maus tratos, a falta de gentileza, a apatia e as trocas de ofensas, por motivos fúteis, entre pessoas que se gostam. Se soubéssemos que cada momento pode ser último, com certeza aproveitaríamos melhor e aprenderíamos a respeitar a energia do próximo. Eu sofro sempre que vejo a beleza das relações sendo destruída pela máquina da rotina e o óleo grosso e sujo do materialismo. Sofro, com minha personalidade introspectiva, por não conseguir expressar o que sinto. Mas me regozijo ao perceber que as pessoas sentem meu amor em pequenos gestos. 

Como mostrar o que vejo? Como compartilhar o que vi? Não há como.

voandoNão, não há como compartilhar o que vivemos e a lição que tiramos de nossas experiências. Sente em viveu e apenas presencia – inerte e sem reação – quem assiste. Não há como transmitir a sabedoria que se adquire com a vida. Cada pessoa deve entender os recados divinos no seu tempo e com seu discernimento.

A poucos meses vi pessoas que amo quase partindo diante da minha tentativa desesperada de ajudá-las. A poucos meses vi alguém próxima e fundamental da minha família sofrendo inconsciente num hospital sem que eu pudesse fazer nada.

Todos saíram ilesos.

Todos estão bem, graças a Deus.

Mas nenhum deles saiu dessas experiências iguais ao que eram antes.

Todos saíram com uma dádiva concedida a poucos, UMA SEGUNDA CHANCE, porém poucos sabem o presente ganharam, e logo, poucos sabem o que fazer com ele para mudarem suas vidas.

A vida continua. E as lições também. Sempre é tempo de aprender.

Reinaldo Luz Santos

Abril de 2009

Deixe um comentário

pessoas já deixaram um comentário

Comments

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Post Navigation